...era nesse momento que fechava definitivamente os olhos e ficava nesse abraço...

Olhos fechados
Antes de adormecer, ficava de olhos abertos, com a cabeça pousada sobre os pulsos. Deitado na cama, no cimo do beliche, com o tecto à frente, fixava essa distância negra e pensava. A essa hora, os seus pensamentos misturavam-se com a respiração pesada dos outros homens, com o ruído das molas de cada vez que um deles se virava e com a fronteira em que um dia mudava para outro dia.
O seu corpo era um vulto imóvel que alguém, quem atravessasse o corredor na direcção da casa de banho, poderia supor adormecido. Mas, por baixo da sua pele tão calma, levantavam-se imagens que, para ele, naquele momento, eram mais vivas do que o quarto ou de qualquer coisa que pudesse tocar. Sempre, antes de adormecer, por baixo da pele, regressava a imagem de um lago imenso, as águas. onde o fim da tarde pousava. Se desces-se as pálpebras sobre os olhos podia, durante um instante, ouvir a água a lançar-se infantil sobre as margens, ou o céu, ou a brisa a vergar as ervas.
Esse tempo ocupava-lhe o corpo todo e era mais real do que os lençóis que o cobriam. Por todas as vezes que tinha recordado esse tempo, ele conhecia-lhe cada pormenor com exactidão. Assim, com sábia antecedência, esperava o momento em que os pés descalços dela, caminhando ao longo das margens, se aproximavam. Enntão, erguia o olhar pelo corpo dela e, ao chegar-lhe ao rosto, ficava parado na luz dos seus olhos. Sem ainda a ter tocado, era já capaz de sentir a forma e o peso do corpo dela dentro dos seus braços. Esperava o tempo de uma batida rápida do coração e ela entrava nos seus braços.
Era nesse momento que fechava definitivamente os olhos e ficava nesse abraço, e deixava de existir em todos os lugares onde esse abraço não existia. Ficava parado nesse abraço até adormecer enlevado, feliz, num quarto onde todos os outros homens dormiam já.
****
...saudades de alguns abraços de um passado bem distante... felizmente o dia de ontem e de hoje foram recheados dos melhores abracinhos do mundo...




Sem comentários:
Enviar um comentário