17 abril 2014

Carta de Despedida



Carta de Despedida

 
"Se, por um instante, Deus se
esquecesse de que sou uma marionete
de trapo e me presenteasse com um

pedaço de vida, possivelmente não diria tudo o que penso, mas, certamente pensaria tudo o que digo.
Daria valor às coisas, não pelo o que valem, mas pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais, pois sei que
a cada minuto que fechamos os olhos,
perdemos sessenta segundos de luz.
Andaria quando os demais parassem,
acordaria quando os outros dormem.
Escutaria quando os outros falassem
e gozaria um bom sorvete de chocolate.
Se Deus me presenteasse com um pedaço
de vida vestiria simplesmente, me
jogaria de bruços no solo, deixando
a descoberto não apenas meu corpo,como minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração,
escreveria meu ódio sobre o gelo e esperaria que o sol saisse.
Pintaria com um sonho de Van Gogh
sobre estrelas um poema de Mário Benedetti
e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à Lua.
Regaria as rosas com minhas lágrimas
para sentir a dor dos espinhos e o
encarnado beijo de suas pétalas.
Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida!…
Não deixaria passar um só dia sem
dizer às gentes- te amo, te amo.
Convenceria cada mulher e cada homem
que são os meus favoritos e viveria enamorado do amor.
Aos homens, lhes provaria como estão
enganados ao pensar que deixam de se
apaixonar quando envelhecem, sem saber
que envelhecem quando deixam de se apaixonar.
A uma criança, lhe daria asas, mas
deixaria que aprendesse a voar sozinha.
Aos velhos ensinaria que a morte não
chega com a velhice, mas com o esquecimento.
Tantas coisas aprendí com vocês,os homens…
Aprendí que todo mundo quer viver no
cimo da montanha, sem saber que a
verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa.
Aprendí que quando um recém-nascido
aperta com sua pequena mão pela
primeira vez o dedo do pai, o tem prisioneiro para sempre.
Aprendí que um homem só tem o direito
de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se.
São tantas as coisas que pude aprender
com vocês, mas, finalmente não poderão
servir muito porque quando me olharem
dentro dessa maleta, infelizmente estarei morrendo”

Gabriel Garcia Marquez


 



...que descanses en paz, mi querido Gabo...

1 comentário:

Graça Pires disse...

Um texto muito belo. Senti a morte deste excelente escritor.
Um beijo.