..A guerra deu na tv

foi na retrospectiva

corpo dormente em carne viva

revi p´ra mim o cheio aceso

dos sítios tão remotos

e do corpo ileso
vou-te mostrar as fotos
olha o meu corpo ileso...

Quando era criança com os meus 4 ou 5 anos, muitas vezes vi e revi os 2 álbuns de fotos do meu pai, enquanto combatente na Guerra do Ultramar. Não havia o canal panda nem pré-primária, mal havia crianças na minha rua, os meus pais trabalhavam mais de 14h por dia e eu arranjava forma de me entreter sózinha, quando estava em casa. Ou a ver os álbuns de fotos de guerra e de casamento dos meus pais ou a folhear e a ler livros e revistas (aprendi a ler antes de entrar na escola primária). A oferta não era muita naqueles tempos. E ainda assim tinha mais brinquedos (e comida e roupa) que os meus colegas. Foi em 74/75 e vivia numa aldeia da Beira Baixa.
Eu sempre achei o meu pai um herói. Ainda hoje é o meu grande herói. Sobreviver num país diferente, como Angola, sobreviver atravessando um rio profundo por debaixo de cadáveres de colegas que foram apanhados numa emboscada, não é uma situação normal para alguém com 20 anos. Essa foi uma das muitas situações por que passou e que o marcaram para o resto da vida. Este tema "Fotos de Fogo" relembra-me sempre esses álbuns de fotos. Esses dois anos deixaram marcas profundas. E eu tenho muita sorte em ter o pai fabuloso que tenho. A maioria dos sobreviventes não chegou a ter essa sorte. Hoje, ao ouvir este tema no concerto do Sérgio Godinho no TAGV, veio-me à memória tudo isto.