22 janeiro 2007

O navio de espelhos


O navio de espelhos
não navega, cavalga


Seu mar é a floresta
que lhe serve de nível


Ao crepúsculo espelha
sol e lua nos flancos


Por isso o tempo gosta
de deitar-se com ele


Os armadores não amam
A sua rota clara


(Vista do movimento
dir-se-ia que pára)


Quando chega à cidade
nenhum cais o abriga


O seu porão traz nada
nada leva à partida


Vozes e ar pesado
é tudo o que transporta


E no mastro espelhado
uma espécie de porta


Seus dez mil capitães
têm o mesmo rosto


A mesma cinta escura
o mesmo grau e posto


Quando um se revolta
há dez mil insurrectos


(Como os olhos da mosca
reflectem os objectos)


E quando um deles ala
o corpo sobre os mastros


e escruta o mar do fundo
Toda a nave cavalga


(como no espaço os astros)
Do princípio do mundo


até ao fim do mundo


Mário Cesariny

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