07 fevereiro 2007

Metade

Que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.


Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio.


Que a música que eu ouço ao longe seja linda,
ainda que triste.
Que a mulher que eu amo seja sempre amada,
mesmo que distante.


Porque metade de mim é partida
e a outra metade é saudade.


Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece
nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem
inundado de sentimento.


Porque metade de mim é o que eu ouço,
mas a outra metade é o que calo.


Que essa minha vontade de ir embora se transforme
na calma e na paz que eu mereço,
Que essa tensão que me corroe por dentro
seja um dia recompensada.


Porque metade de mim é o que eu penso
e a outra metade é um vulcão.


Que o medo da solidão se afaste,
que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto o doce sorriso
que eu me lembro de ter dado na infância.


Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei...


Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.


Porque metade de mim é abrigo,
mas a outra metade é cansaço.


Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba,
e que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.


Porque metade de mim é a platéia
e a outra metade, a canção.


E que minha loucura seja perdoada.


Porque metade de mim é amor
e a outra metade ... também.


Oswaldo Montenegro


(mais um texto "raptado" do conversas... mas tem muito que ver com a minha maneira de ser)

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