09 abril 2007

Primeiramente


Acordo sem o contorno do teu rosto na minha almofada, sem
o teu peito liso e claro como um dia de vento, e começo a erguer
a madrugada apenas com as duas mãos que me deixaste,
hesitante nos gestos, porque os meus olhos partiram nos teus.
E é assim que a noite chega, e dentro dela te procuro, encostado


ao teu nome, pelas ruas álgidas onde tu não passas, a solidão aberta
nos dedos como um cravo.
Meu amor, amor de uma breve madrugada de bandeiras, arranco
a tua boca da minha e desfolho-a lentamente, até que outra boca -
e sempre a tua boca - comece de novo a nascer na minha boca.
Que posso eu fazer senão escutar o coração inseguro dos
pássaros, encostar a face ao rosto lunar dos bêbedos e perguntar
o que aconteceu.


Eugénio de Andrade

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