06 abril 2007

Todos somos Deuses

Chegara finalmente o temido ano que a profecia chamara de cólera de Suze. Era certo que ninguém se lembrava de quando fora feita a profecia, menos ainda de quando haviam sucedido os factos que se iriam de novo desencadear – tal acontecera muito antes de estar vivo qualquer dos velhos, nem dos velhos dos velhos dos velhos. Mas o ano chegara e era o ano da cólera de Suze – pois assim havia sido escrito.

Agora, como então, tudo se passaria de novo, pois os ciclos devem ser cumpridos, para que tudo possa permanecer igual – essa era a sabedoria dos velhos, e essa sabedoria não era sequer comentada, muito menos contestada. Neste ano, a cólera manifestar-se-ia e isso era bom: os justos viveriam, e gerariam os próximos filhos de Suze e os iníquos seriam extirpados do planeta. Muitos morreriam, poucos eleitos permaneceriam, mas não é assim que as melhores sementes prevalecem e geram de si as árvores fortes? Assim o diziam os velhos, assim sucederia.

Zhou, sacerdote cronista, observava a natureza que, quase imperceptivelmente, se agitava. Fazia-o sem emoção nem temor, pois sabia exactamente o que viria. Primeiro o sopro de Suze varreria de imediato os menos precavidos: felizes esses, pois o seu castigo seria suave e entrariam na comunhão de Suze. Era o dia da iniciação do mês brilhante do ano de Seref. Depois as lágrimas de Suze lavariam aqueles que soubessem esconder-se – e não seriam eles os mais castigados. Seria no dia da consolidação do mês brilhante. Finalmente a cólera – quando o fogo purgasse de vez Shanouze. Seria então o dia da colheita do mês brilhante. Três dias e tudo terminaria e começaria de novo.

Tudo isto tinha sido escrito, como era agora a sua vez de escrever, para que um dia outros soubessem o que fazer e como fazer. Fosse essa a vontade de Suze e Zhou morreria. Ou se o desejasse, Zhou ficaria para ensinar os que sobrevivem aquilo que deveriam fazer. Qualquer que fosse a escolha de Suze, deus supremo, cujo nome era sagrado e poucos podiam pronunciar, Zhou aceitá-la-ia, pois há muito tinha sido preparado.

O dia da iniciação do mês brilhante começava com o vento profetizado, e tudo Zhou registava sem qualquer emoção.

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Olhando ao espelho que reflectia a minha imagem, gritei simultaneamente de dor e prazer, à medida que a loção que espalhara queimava a minha face bem barbeada. Sorri: nada para começar um dia, como uma barba bem feita.

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