13 agosto 2007

A hora da Estrela



Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou. Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho. Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir ó um fato. Os dois juntos - sou eu que escrevo o que estou escrevendo. Deus é o mundo. A verdade é sempre um contato interior e inexplicável. A minha vida a mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só palavra que a signifique. Meu coração se esvaziou de todo desejo e reduz-se ao próprio último ou primeiro pulsar. A dor de dentes que perpassa esta história deu uma fisgada funda em plena boca nossa. Então eu canto alto agudo uma melodia sincopada e estridente - é a minha própria dor, eu que carrego o mundo e há falta de felicidade. Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.

Como eu irei dizer agora, esta história será o resultado de uma visão gradual - há dois anos e meio venho aos poucos descobrindo os porquês. É visão da iminência de. De quê? Quem sabe se mais tarde saberei. Como que estou escrevendo na hora mesma em que sou lido. Só não inicio pelo fim que justificaria o começo - como a morte parece dizer sobre a vida - porque preciso registrar os fatos antecedentes.

(.....)
De onde no entanto até sangue arfante de tão vivo de vida poderá quem sabe escorrer e logo se coagular em cubos de geléia trêmula. Será essa história um dia o meu coágulo? Que sei eu. Se há veracidade nela - e é claro que a história é verdadeira embora inventada - que cada um a reconheça em si mesmo porque todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro - existe a quem falte . O delicado essencial. Como é que sei tudo o que vai se seguir e que ainda o desconheço, já que nunca o vivi?



-Clarice Lispector-

(in "A hora da Estrela")








(ontem não cheguei a ver a chuva de estrelas cadentes... mas às vezes precisamos de acreditar em certas coisas, como pedir um desejo, daqueles que sabemos que nunca se irão concretizar, quando se vê uma estrela cadente ou que um arco-íris nos trará uma réstia de felicidade, para dar um pouco de sentido à nossa vida.

E este tema fabuloso do Louis Armstrong tem sido uma "ancorazinha", quando este Barco Grego está prestes a afundar... e lembro-me das pequenas (grandes) coisas que dão sentido à vida, como o abraço gostoso dos meus meninos, um sorriso de um amigo, uma conversa mais íntima, e de outras que me fazem sorrir, como uma lua cheia, um arco-íris, uma estrela... ou um conjunto de recordações... e a vida volta a ganhar sentido... até ao próximo naufrágio!!!! e tudo recomeça... )

Sem comentários: