30 setembro 2007

No fundo, tenho medo...


"No fundo, tenho medo. Medo de te voltar a ver. Medo de que as minhas mãos voltem a ser mãos outra vez e disparem dos pulsos para te despentear o cabelo e apertar-te os nós dos dedos, entalando-te as falanges como se fosses criança a quem cuidasse de atravessar a rua. Medo de que o meu corpo se lembre da fome que te teve e se queixe ruidosamente, como um estômago vazio; de que me dês água na boca e que de deserto árido passes a fonte de trevas com neptunos sumptuosos e fundos forrados a desejos. Medo de pensar que não te vejo desde ontem e de por isso não te rever, saudosa, antes achando que nunca nos fomos e que ainda nos damos as mãos, algures por Paris. Medo de, afinal, te ter esquecido em vão e de que nos encontremos de novo a meio de inocuidades gentis, amorosamente gentis; e de que tenhamos, inesperadamente, muito cuidado com os gestos, como se contornássemos vidros partidos ou fios descarnados. Medo de dar com os teus olhos e de neles mergulhar de cabeça, de engolir pirulitos, nadar-te e por ti ficar, num boiar infinito. No fundo, tenho medo de que a mera possibilidade da tua presença me diminua a graça dos dias. Por isso me quedo."


Retirado do blogue "Um amor atrevido", que tem textos fabulosos... e este vem mesmo de encontro ao que sinto...mais uma vez...

2 comentários:

Graça Pires disse...

O texto é muito belo.
Mas é outono: o tempo em que os temores se confundem com a coragem, em que é permitido chorar amores perdidos... Um beijo

Pêndulo disse...

:/ há algumas pessoas (como eu), para quem as "estações interiores"-Primavera e o fascinio das coisas novas, Verão, em que se "permite" gozar os frutos obtidos, Outono, com a perda de algumas coisas, e o Inverno, com um grande "gelo" interior, se sucedem ininterruptamente... o que vale é que a seguir ao Inverno se segue uma nova Primavera...

um beijo para ti :)