31 março 2008

...há qualquer coisa de injusto em tudo isto..







Se ficasses para sempre
Nos olhos que em ti medi
Naquele balouçar de vestal e puta eternamente
Serias o sonho prolongado
Que não há
Mas os anos amiga
Os anos que passaram
Fizeram de borracha a tua pele
E o desespero das rugas
Enfeitou o teu rosto
Num rasgo de ti mesma
E desdobras-te em cascatas de gestos
Em busca do que foste
Sem saber

Há qualquer coisa de injusto em tudo isso
Porque os meus olhos são da mesma idade

E o tempo
Esse carrasco lento
Fez de nós uma referência
Uma memória esconsa do que fomos
E hoje são talvez as tuas filhas
Quem desdobrou de ti o alçamento
A graça de garça
E o altar de espanto
Mas tu amiga
Aqueles teus seios de mármore
Que eu mordi de amante
Esses roubaram-mos de inveja
O tempo e a lonjura
Por isso recuso ver-te hoje
Sem ser nessa memória

Dizem que é assim
Isto de viver
Mas há tudo de cru, injusto e triste
Nessa amargura
Porque a beleza extrema
Nunca houvera de morrer
E tudo que me estrago a mim
Não magoa
Que eu nunca contei muito
Para o belo que me deste
Sempre vou ser isto
Mais coisa menos coisa
Cada vez mais velho e mais agreste
Mas tu
Tu tinhas direito à eternidade
O teu rosto o teu corpo as tuas mãos
Moram para mim ainda e sempre
Na ideia em que te guardo

Há qualquer coisa de injusto em tudo isto
Porque os meus olhos são da mesma idade.

(Pedro Barroso)

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