02 maio 2008

Remorso




todos os punhais que fulgem nos gritos,
todas as fomes que doem no pão
todo o suor que luz nas estrelas
todas as lanças nos dedos da reza,
todos os soluços para ressuscitar os filhos mortos,
todos os desejos nos alçapões do frio,
todas as jóias nos pescoços dos espelhos rachados
todos os assassinos que andaram aos colo das mães,
todos os atestados de pobreza com lágrimas de carimbo,
todos os murmúrios do sol no quarto ao lado à hora da morte
tudo, tudo, tudo
se condensou de repente
numa nuvem negra de milhões de lágrimas
a humilharem-me de ternura
eu que quero ser alheio, duro, indiferente
enquanto os outros dançam, cantam, bebem,
vivem, amam, riem, suam
neste pobre planeta
magoado das pedras e dos homens
onde cresceu por acaso o meu coração no musgo
aberto para a consciência absurda
deste remorso sem sentido.

José Gomes Ferreira

Sem comentários: