21 agosto 2010

... corpo é a sombra de minha alma...

De repente as coisas não precisam mais fazer sentido. Satisfaço-me em ser.

Tu és?

Tenho certeza que sim.

O não sentido das coisas me faz ter um sorriso de complacência.

De certo tudo deve estar sendo o que é.

Hoje está um dia de nada. Hoje é zero hora.

Existe por acaso um número que não é nada? que é menos que zero?

que começa no que nunca começou porque sempre era? e era antes de sempre?

Ligo-me a esta ausência vital e rejuvenesço-me todo, ao mesmo tempo contido e total.

Redondo sem início e sem fim, eu sou o ponto antes do zero e do ponto final.

Do zero ao infinito vou caminhando sem parar. Mas ao mesmo tempo tudo é tão fugaz.

Eu sempre fui e imediatamente não era mais.

O dia corre lá fora à toa e há abismos de silêncio em mim.

A sombra de minha alma é o corpo. O corpo é a sombra de minha alma.






 Clarice Lispector
in «Um sopro de vida» 

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