14 agosto 2010

...ia pela rua fora, despreocupadamente, quando me lembrei de olhar para dentro de mim - já lá não estavas...

"Litania para um dia depois"




Ninguém sabe como foi. Como (súbito) desabaram

imensidões que por desígnio tanto quis. Jamais

me explicarão o derruir de tão altos cumes,

depois apenas pó - vazio, vazio tão vazio que para

o dizer nenhuma palavra serve. Contudo, tentá-lo-ei



agora: ia eu pela rua fora quando me apercebi - já

lá não estavas. Um aluimento inesperado, gume

que deveria doer, mas nem sequer. Como foi?

Com que meios? E quando, sim, quando, pois se

ainda há dias eras coisa tão presente?! Viajei eu tanto



(dentro e fora de mim) para agora uma rajada de ar

me aparecer com ar de libertadora; para uma inesperada

(e desinteressante) morte me encher assim a vida -

inútil viuvez de mim, lembranças já ossificadas

que deveriam doer, mas não. E, no quebranto



da memória, a falha é hoje uma evidência que liberta;

água, que, de tão límpida, corre em gorgolões

pelo verdete da cidade. Diz-me, que vieste tu aqui

buscar? Que vieste liquidar tantos anos depois?

Angústia para alimentar escritos? Pois bem, eis-me



finalmente livre! Gume de falha que deveria doer,

mas não. Como foi? E quando? Ninguém me saberá

explicar. Contudo, tentá-lo-ei eu agora: ia pela rua

fora, despreocupadamente, quando me lembrei

de olhar para dentro de mim - já lá não estavas.



Victor Oliveira Mateus






...e de facto, este "fardo" saiu...

Sem comentários: