24 setembro 2010

...sabem de nós mais do que somos capazes de lhes dizer...



"Os amigos.
Entrariam por uma casa em chamas para nos salvarem. Mentem por nós à nossa própria mãe. Sabem de nós mais do que somos capazes de lhes dizer. Jurariam que à hora do crime estávamos a tomar chá com eles. Mesmo que a polícia nos encontrasse com as mãos cheias de sangue. "São rosas, senhores. Andei com ela toda a tarde a cortar rosas, senhores. Sangue de espinhos, senhores."
Eles exigem-nos coisas de nada. As nossas lágrimas. O nosso lenço de assoar. A pele dos nossos inimigos. As batatas fritas do nosso bife. A nossa melhor roupa, por uma noite. Exigem-nos tudo o que nos dão. É preciso regá-los regularmente: é nos ombros deles que cai toda a água dos nossos olhos. Eles espevitam-nos o sentido de humor quando menos nos apetece. E depois ficam connosco quando as luzes se apagam e toda a gente se foi embora. Só aos amigos é dado o espectáculo da nossa miséria." 

 Inês Pedrosa
in A Instrução dos Amantes


...levei hoje o livro comigo, para acabar de o reler e esta é uma das partes marcadas do livro, desde a primeira vez que o li... porque parece que há mais pessoas para além de mim a pensar assim..

2 comentários:

esqueci a ana (ex-ana) disse...

O livro é muito bom. Esta passagem é extraordinária. Obrigada por a divulgar.

Pêndulo disse...

Volta e meia apetece-me reler alguns dos livros de que gostei. E este tem algumas passagens muito boas. Infelizmente, nos últimos tempos, ter tempo para ler os livros de que gosto é uma raridade. Ontem foi um dia diferente :)