31 outubro 2010

...de nenhum fruto queiras só metade....


...nos últimos tempos não tenho deixado grande coisa neste cantinho. Sinceramente, a altura da Latada nos últimos anos acaba por entreabrir algumas gavetas que supunha estarem arrumadas. E acontece o inevitável: continuo a questionar-me sobre o que aconteceu em tempos e como consegui acreditar. Mas, na altura, sentia uma cumplicidade tão forte que, de facto, era impossível não acreditar. E durante uns dias, sinto-me bucólica, com uma nostalgia enorme e, pior do que isso, continuo a não perceber o desfecho. Já usei de todas as possibilidades para terminar este puzzle, mas há algumas peças que teimam em não encaixar. E, eu acredito que tudo tem uma razão e, por um motivo que desconheço, não consigo descobrir as razões de tudo isto. Sinto-me como Sisífo, condenada pelos deuses a empurrar pela encosta acima um pedregulho imenso, até a pedra rolar pela outra encosta abaixo, para ele voltar a empurrá-la, até ela voltar a cair, assim gastando a sua vida, sem progresso aparente, sem utilidade alguma. E o meu pedregulho consiste em terminar este puzzle e conseguir perceber o que não encaixa e,  por mais que me esforce e tente, não consigo... uma e outra e outra vez... E isto vai corroendo por dentro, até porque, normalmente, não reajo assim. Normalmente, não continuo a remoer o passado. Mas há algo de irracional e superior a mim em tudo isto, que eu tento perceber e não consigo... há DEMASIADO tempo... e apenas quero perceber o porquê, nada mais... e fechar de vez estas gavetas...


Recomeça…




Se puderes,


Sem angústia e sem pressa.


E os passos que deres,


Nesse caminho duro


Do futuro,


Dá-os em liberdade.


Enquanto não alcances


Não descanses.


De nenhum fruto queiras só metade.






E, nunca saciado,


Vai colhendo


Ilusões sucessivas no pomar


E vendo


Acordado,


O logro da aventura.


És homem, não te esqueças!


Só é tua a loucura


Onde, com lucidez, te reconheças.









Miguel Torga, Diário XIII

Sem comentários: