26 dezembro 2010

...faço o caminho solitário por entre as ruínas da vida...

"O teu olhar ficará no meu olhar quando morrer e, morto, contemplar as planícies que serão o teu olhar a anoitecer lento. O teu olhar ficará nas minhas mãos esquecidas e ninguém se lembrará de o procurar aí. Penso: nunca ninguém se lembra de procurar as coisas onde elas estão, porque nunca ninguém sabe o que pensa o fumo, ou as nuvens, ou um olhar. E tu. Continuarás perdendo o silêncio por mãos esquecidas, irá a enterrar o teu silêncio dentro do meu peito. Mulher tantas vezes. Mulher repetida na respiração de um lugar passado ou morto. Tempo e vida. Mulher, não sei o que fomos. Sei que, hoje, te possuo. Hoje conheço-te. É meu o teu olhar e o teu silêncio. E de nada me serve já, porque avanço para onde os homens deixam de ser homens. Faço o caminho solitário por entre as ruínas da vida. O caminho onde tudo é muito pouco, e cada uma dessas coisas pequenas é demasiada."






José Luís Peixoto
in "Nenhum olhar"

Sem comentários: