22 maio 2011

...memories (II)...



...entretanto, inesperadamente, apareceu "caído do céu" outra pessoa na minha vida. Desde logo se criou uma enorme empatia. Reconheço bastante ingenuidade da minha parte (diria antes "autenticidade"), mas rapidamente caí na teia. E dia após dia sentia-me mais presa. Como se o conhecesse desde sempre. Como se fizesse parte de mim desde sempre. Para mim, não era apenas paixão. A enorme cumplicidade para mim era também sinal de uma enorme amizade. Parecia que fazia parte de mim. Gostos muito semelhantes em muitas coisas e, aparentemente, formas de pensar e objectivos comuns. A cada dia, os laços aumentavam… por tudo, por nada e por coisa nenhuma. Nunca tinha sentido algo assim. Parecia que tudo fazia sentido e que finalmente o meu maior sonho fazia sentido e se podia tornar realidade. Ainda mais numa altura em que as idas à urgência e os internamentos se sucediam, ter alguém que me fizesse sentir que valia a pena continuar a lutar era fulcral. E no meio de todos os problemas de saúde graves, um sorriso ou um abraço faziam com que a minha vida ganhasse sentido.

Mas a paixão tem uma vida curta. E foi o início do tsunami a nível pessoal. De repente, tudo mudou. A princípio não percebi o porquê da mudança. Eu não tinha mudado. O que eu sentia não tinha mudado. Ou melhor, não tinha diminuído, antes pelo contrário. Sei que aguentar situações constantes de doença durante bastante tempo é difícil. Mas eu sempre joguei limpo. E não percebia porque razão os sintomas se agravavam, a ponto de me limitarem a vida. Tentar lutar contra isso e fazer uma vida normal era complicado. Talvez por isso ter um “porto de abrigo” fosse tão importante. Para além dos meus problemas de saúde, a incerteza profissional e os problemas de saúde de familiares faziam com que o meu mundo estivesse quase à beira da ruína. Bastou o “afastamento” desse “porto de abrigo”, para que o descalabro acontecesse. Da minha vida restou apenas um monte de escombros: os meus problemas de saúde a agravarem-se e a limitarem de sobremaneira a minha vida, o desespero do desemprego à porta, os problemas de saúde de familiares a agravarem-se e o não saber como seguir em frente. Acima de tudo, não saber o que fazer para seguir em frente. E esperar que o nosso porto de abrigo nos ajudasse a seguir em frente e ver que ao contrário disso, ainda nos afundava mais. Até bater no fundo do fundo. Consegui perceber o que se sente no mais completo desespero e porque razão algumas pessoas optam por soluções “anormais”. Quando nada faz sentido, é demasiado complicado seguir em frente. Felizmente, há sempre uns “anjos vivos”, que teimam em estar presentes nas alturas más. E houve uns quantos amigos fantásticos que tiveram paciência e dedicação e me ajudaram a subir. A maior parte do trabalho foi meu, mas sem a sua ajuda sei que nunca teria conseguido e teria optado por uma solução mais fácil para mim. E entraram novas pessoas na minha vida, que continuam cá e me ajudam a seguir em frente, quando as dúvidas ou os maus momentos se atravessam no caminho.
Mas houve muito trabalho para fazer. Antes de mais, tentar reconstruir a minha auto-estima. Para isso, foi necessário perceber algumas coisas importantes: que sou humana e tenho limitações. Mas que também tenho algumas qualidades. Saber quais são essas qualidades, tirando partido delas e saber os meus defeitos, tentando corrigi-los na medida do possível, foi uma tarefa árdua. Durante algum tempo (um longo tempo), o que restava do meu amor-próprio ficou reduzido a zero. Sentia-me a pior pessoa do Universo. Mas, felizmente, consegui perceber melhor como sou, consegui perceber os meus limites e consegui ver que também tenho coisas boas. Sou humana, apenas. Não sou melhor nem pior que ninguém. Simplesmente, sou eu mesma.
Afortunadamente, houve também alguma ponta de sorte no meu caminho. Consegui aproveitar as oportunidades que surgiram de uma forma favorável para mim. Não sou uma mente brilhante, mas tenho uma grande capacidade de trabalho. Tudo o que consegui até hoje foi à custa do meu esforço (mesmo quando tenho que ouvir “bocas” de outros, quando me dizem que é impossível fazer tudo e que devo ter que deixar algo para trás… e, de facto, geralmente deixo para trás as minhas horas de descanso :/ ). Neste momento, posso afirmar que todos os sonhos que tinha e que dependiam de mim foram atingidos. Não eram sonhos demasiado ambiciosos, mas houve tempos em que conseguir um emprego que me assegurasse alguma estabilidade (mesmo sabendo que hoje em dia não há empregos “para a vida”) era uma perfeita utopia… mas o mais grave era ver que para os meus amigos, se concretizava, o que para mim era uma utopia.

O ter conseguido publicar alguns trabalhos, mesmo sabendo que em termos de resultados seria quase impossível, foi algo que me ajudou a ganhar confiança. Os ensaios não foram devidamente planeados, foram realizados numa altura complicada, entre as idas à urgência e, portanto, só na altura em que comecei a escrever me apercebi das muitas falhas. Ou seja, 6 anos mais tarde. E não era possível repetir mais nada. Houve que contornar com uma discussão diferente e convincente quanto bastasse. Obviamente que os trabalhos foram publicados em revistas com um factor de impacto baixo, mas há que ser pragmático e saber quantas omoletes é possível cozinhar com tão poucos ovos. Por isso, ver estes 3 trabalhos publicados foi uma enorme vitória pessoal. E permitiu-me ver que tenho algum valor.
Por outro lado, a entrada em vigor do novo Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Público permitiu-me a passagem para a categoria que deveria ocupar de acordo com as habilitações que possuía. O ver o meu tempo de serviço prestado devidamente reconhecido foi outra vitória.
Mas, não me encostei à sombra dos êxitos passados. Sei que tenho que trabalhar ainda mais, para conseguir boa pontuação na avaliação. Desse trabalho dependerá o meu futuro. Sei também quais são os meus limites. Não posso sonhar com um artigo no JBC (já não falo da Nature ou da Science), dado que não disponho de tempo, nem de dinheiro nem de tecnologia para tal, mas desde que consiga ir publicando alguns trabalhos em revistas reconhecidas, dou-me por feliz. As minhas ambições profissionais sempre foram cheias de pragmatismo. Se me conseguir superar e atingir algo melhor, óptimo. Mas não idealizo um futuro profissional utópico. Sempre tive os pés bem assentes no chão. Talvez por isso, a satisfação de ter conseguido atingir as metas com que tinha sonhado e que, ainda assim, se encontram acima da média para a população em geral. Demorou bastante tempo, tive que enfrentar dificuldades múltiplas, mas consegui, sendo honesta comigo e com os outros. O escolher trilhar o caminho das pedras também tem destas recompensas.

Em termos pessoais, consegui ganhar confiança em mim. Consegui afastar algumas pessoas que me faziam mal, pela forma de pensar ou pela mesquinhez. Vivo de forma mais tranquila, mais leve. Sei também o que posso esperar dos que me rodeiam e dos que seleccionei para ficarem na minha vida e fazerem parte dela. Há algumas surpresas menos agradáveis, de quando em vez, mas não esperar demais ajuda muito. Consegui arranjar o meu canto. A esse nível, há alguns planos pessoais ainda por concretizar. O tempo de crise que se vive não ajuda muito. Mas, hei-de conseguir concretizá-los, custe o que custar. Porque sei o que quero e raramente desisto antes de conseguir alcançar os meus objectivos, por muito que tenha que lutar.

Quanto às mágoas, acabaram por se diluir com o tempo. Às vezes, há ainda alguns acontecimentos que fazem com que as memórias voltem. Mas, felizmente, as feridas cicatrizaram, depois de reabrirem uma e outra vez. Talvez por isso ainda hoje se notem essas cicatrizes. Mas até mesmo as cicatrizes se irão tornar menos feias e quase imperceptíveis com o tempo...

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