15 março 2007

E porque já cheira a Primavera...

...os casacos quentinhos, que tanto jeito nos deram, voltam para o armário, há borboletas a esvoaçar por todo o lado, besouros, pássaros... e porque as árvores (as Magnoliopsidae... uiiiiii o que eu sei :-)))) ) estão cobertas de flor, lembrei-me deste poema do Neruda... cá vai:


Brincas todos os dias com a luz do Universo.
Subtil visitadora, chegas na flor e na água.
És mais do que a pequena cabeça branca que aperto
como um cacho entre as mãos todos os dias.


Com ninguém te pareces desde que eu te amo.
Deixa-me estender-te entre grinaldas amarelas.
Quem escreve o teu nome com letras de fumo entre as estrelas do sul?
Ah, deixa-me lembrar como eras então, quando ainda não existias.


Subitamente o vento uiva e bate à minha janela fechada.
O céu é uma rede coalhada de peixes sombrios.
Aqui vêm soprar todos os ventos, todos.
Aqui despe-se a chuva.


Passam fugindo os pássaros.
O vento. O vento.
Eu só posso lutar contra a força dos homens.
O temporal amontoa folhas escuras
e solta todos os barcos que esta noite amarraram ao céu.


Tu estás aqui. Ah tu não foges.
Tu responder-me-às até ao último grito.
Enrola-te a meu lado como se tivesses medo.
Porém mais que uma vez correu uma sombra estranha pelos teus olhos.


Agora, agora também pequena, trazes-me madressilva,
e tens até os seios perfumados.
Enquanto o vento triste galopa matando borboletas
eu amo-te, e a minha alegria morde a tua boca de ameixa.


O que te haverá doído acostumares-te a mim,
à minha alma selvagem e só, ao meu nome que todos escorraçam.
Vimos arder tantas vezes a estrela d'alva beijando-nos os olhos
e sobre as nossas cabeças destorcerem-se os crepúsculos em leques
rodopiantes.


As minhas palavras choveram sobre ti acariciando-te.
Amei desde há que tempo o teu corpo de nácar moreno.
Creio-te mesmo dona do Universo.
Vou trazer-te das montanhas flores alegres, "copihues",
avelãs escuras, e cestos silvestres de beijos.
Quero fazer contigo
o que a primavera faz com as cerejeiras.


Pablo Neruda

(in "Vinte Poemas de Amor e uma canção desesperada" com a tradução de Fernando Assis Pacheco )

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