09 setembro 2010

...de mãos dadas, arrancámos todas as cordas que nos prendem, voltámos a acreditar e, juntos, soubemos que tínhamos de continuar a viver...

Juntos








Continuámos deitados.







A respiração diminuía de ritmo, aproximava-se da tranquilidade, como um rio depois das chuvas. A luz da noite abrandava também, perdia força quando atravessava a cortina da janela do quarto e se estendia leve sobre nós. Os sons da rua recomeçavam lentamente. O mundo recomeçava.







A imperfeição regressava aos objectos, cobria-os. Não fui capaz de dizer nenhuma palavra. As palavras eram a imperfeição. Os dias regressavam aos calendários. Regressavam as memórias e o peso insuportável do futuro. Com os dias, chegava outra vez a terrível incompreensão dos mistérios e chegavam todas as perguntas. No entanto, continuámos deitados.







Em silêncio, refaziam-se as cordas invioláveis que nos prendem e que nos obrigam a nunca acreditar naquilo que recebemos sem pedir. Em silêncio, os deuses renasciam e, na penumbra do quarto, os seus rostos invisíveis voltavam aos contornos que haviam perdido. Lá fora, a cidade erguia-se de novo nos olhares dos homens que caminham sozinhos na noite, nas luzes abandonadas em ruas vazias, no medo. Tão devagar, o frio reencontrava um lugar nos nossos corpos. A nossa pele voltava a não nos pertencer.







No entanto, continuámos deitados.







As nossas mãos atravessaram os lençóis e encontraram-se. Através delas, dissemos o que não poderia ser dito por palavras. De mãos dadas, ficámos juntos contra os dias, prontos para resistir às memórias e ao futuro, prontos para sermos destruídos pela fúria dos deuses, prontos para enfrentar a solidão e o medo.







De mãos dadas, sob a respiração, a luz da noite, os sons da rua, continuámos deitados, recuperámos a nossa própria pele ao frio, arrancámos todas as cordas que nos prendem, voltámos a acreditar e, juntos, soubemos que tínhamos de continuar a viver.

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