05 dezembro 2010

...o meu coração, contudo, sempre te pertenceu...

Nada me pertenceu - nem o vestido indecente




que pedi emprestado para te oferecer os seios, nem


os seios, que eram já teus muito antes do vestido.










O sorriso que devassou brevemente o meu rosto não


me pertenceu; porque ninguém o viu antes de ti,


nem o espelho se convenceu a devolver-mo.










Todas as coisas que a casa guardou quando partiste não


me pertenceram; porque, ao tocar-lhe nos dias mais


cinzentos, sinto que é pelo calor dos teus dedos que ainda


gritam; e mesmo a cama onde só teu corpo era bem-vindo


nunca chegou a ser inteiramente minha, pois, de contrário,


encontraria nela o meu lugar, e não o teu vazio.










Tu não me pertenceste - e, se uma vez acreditei que


acontecias dentro do meu corpo, das outras vi-te abraçar a


solidão com tanto ardor que concluí ser a memória quem


te mantinha vivo. O meu coração, contudo, sempre










te pertenceu - e a mão desesperada que o procura não


sente bater longe do teu peito. E mesmo os poemas todos


que escrevi não me pertenceram, porque essa vida


que pulsava no papel levaste-a tu contigo na hora


em que te foste - e a que tenho agora é mais


branca e vazia do que a morte, não é vida nem nada










que eu queira alguma vez que me pertença.












Maria do Rosário Pedreira

Sem comentários: